A repercussão da Vaza Jato na televisão
Como o caso de Moro foi divulgado nos principais meios televisivos brasileiros
Por Júlia Paes de Arruda, Letícia Ramalho e Olívia Ambrozini
N a era tecnológica que vivemos hoje, devido ao dinamismo e o fácil acesso a comunicação, a televisão e a visão jornalística têm se tornado um campo de replicação e manipulação de informação. Segundo Pierre Bourdieu em seu livro Sobre a Televisão, os meios de comunicação acabam sendo influenciados por outros meios e muitas das notícias veiculadas não afetam a sociedade de modo geral, mas tendem a diminuir o debate público. Dessa forma, as mídias concorrentes acabam seguindo o mesmo modelo para não ficar para trás.
No último dia nove de junho o jornal independente Intercept Brasil, chefiado pelo jornalista Gleen Greenwald, denunciou a imparcialidade do Ministro da Justiça Sérgio Moro no caso Operação Lava-Jato. O jornal publicou em seu site as mensagens que o então juiz do caso e o chefe da força tarefa, além dos outros articuladores, trocaram mensagens para incriminar o ex-presidente Lula. O caso passou a ser conhecido como Vaza-Jato, um trocadilho com a operação que foi premeditada por agentes da Justiça brasileira.
Analisando quatro emissoras tradicionais diferentes (TV Band, SBT, Record TV e Rede Globo) segundo a veiculação da notícia do vazamento de mensagens do ex-juiz e atual ministro Sérgio Moro, podemos perceber que, apesar do livro de Bourdieu ser embasado na década de 1990, suas percepções ainda se perpetuam nos dias atuais.
A reportagem da TV Band, do dia 10 de junho deste ano, não teve aprofundamento do caso, houve apenas a replicação das informações divulgadas pelo portal do Intercept Brasil. Além disso, a reportagem não abriu espaço para ideias divergentes. O pouco apresentado ficou restrito apenas na divulgação da carta dos advogados do ex-presidente Lula, sem ao menos que houvesse algum comentário contra ou a favor a investigação.
Outro ponto que a reportagem não explora é sobre a legalidade ou a falta dela na reprodução das mensagens, se o vazamento poderia ser considerado uma prova do caso da Lava Jato. Uma singela abordagem dessa questão só foi apresentada na visão do atual ministro. Não houve fontes ou argumentos a favor da exposição das mensagens.
Nessa mesma noite o Jornal Nacional, principal jornal da Rede Globo, apresentou uma matéria de 15 minutos logo na abertura do programa para falar do caso de invasão ao celular do Ministro Sérgio Moro. O primeiro ponto que noticiam é a ilegalidade da obtenção e divulgação das mensagens trocadas pelo ex-juiz e os procuradores, logo transmitem uma entrevista do delatado em que ele diz que seu celular foi invadido por hackers e que o procurador Dallagnol já tinha procurado a polícia para denunciar crime de invasão em abril.
Um terço do programa é a apresentação do caso segundo as evidências do Jornal Intercept Brasil, o resto, que concentra dez minutos da matéria, é construído em defesa do Ministro da Justiça. Vinculam vídeos do procurador Dallagnol defendendo a Lava-Jato enquanto os âncoras, William Bonner e Renata Vasconcellos, apenas o introduzem e levantam sua bola. Na voz de Bonner é dito que segundo a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal hackers agiram de modo agressivo, sorrateiro e dissimulado, se passando por jornalistas ou procuradores na tentativa de conseguir contatos e informações.
A matéria conta com a opinião da Associação de Juízes, Associação dos procuradores da República e com a opinião do vice-Presidente, Hamilton Mourão, todos defendem a inocência de Sérgio Moro e a descontextualização das mensagens. O Jornal Nacional dá abertura para a associação do Jornal Intercept Brasil à corrupção. A gravidade do caso, segundo o jornal dá a entender, está na invasão da privacidade de um Ministro, o que consideram um risco a segurança Institucional, o conteúdo em si das mensagens parece pouco importar para a Rede Globo.
Na Record TV e na Record News, o assunto foi abordado em matérias curtas, com média de dois minutos de duração. Algumas apresentaram o conteúdo das mensagens vazadas, e depois os comentários de Sérgio Moro sobre a situação, nos quais ele destaca a não divulgação da fonte do site, questionando sua confiabilidade e aponta a invasão dos celulares como sendo o grande problema em questão, como foi o caso da matéria exibida no programa Hora News em 10 de junho.
Em outras reportagens, foi dado destaque ao que Moro chamou de “invasão criminosa de celulares de procuradores”, sem mostrar o conteúdo das mensagens e abordando a repercussão nas mídias sociais. No Jornal da Record do dia 11 de junho, foi mostrado também que, mesmo em meio à repercussão do caso, o Ministro da Justiça foi condecorado por Bolsonaro com a Ordem do Mérito Naval, junto com mais 11 ministros, e os dois aparentavam tranquilidade quando se reuniram mais cedo naquele dia.
Assim como a Record, o SBT não tratou do caso com grande profundidade. A edição de 10 de junho do SBT Brasil mostrou o conteúdo das mensagens reveladas e apontou a grande repercussão gerada em Brasília. Exibiu também a declaração de Moro, na qual ele afirmou não haver anormalidade em sua conduta como juiz e destacou a gravidade da invasão de seu celular e da divulgação das mensagens, além do vídeo de Dallagnol rebatendo as acusações. Também abordaram brevemente o posicionamento dos advogados de Lula.
De modo geral, as matérias exibidas nos telejornais das maiores redes de televisão do país deram grande destaque à invasão dos celulares, não ao conteúdo revelado nas mensagens, o que poderia contribuir para que o telespectador perdesse o foco da real questão: a articulação de Sérgio Moro na Operação Lava Jato além de suas atribuições como juiz.
Percebe-se que as observações de Bourdieu a respeito da televisão ainda explicam como a grande indústria da comunicação tradicional funciona. A manipulação midiática é uma grande questão: ao não mostrar posicionamentos contrários ao de Moro, as mídias tradicionais influenciam na opinião do público, acostumado a ver apenas uma visão de mundo. Além disso, todos os grandes canais de televisão analisados que transmitem em rede aberta vincularam a notícia do mesmo jeito, isso porque essas grandes empresas são controladas por um único grupo que possui interesse comum, dentre o qual o favorecimento do governo vigente. No caso da Vaza Jato, não é interessante para essas empresas que o Sérgio Moro seja visto como um inimigo da nação.
Nota: trabalho realizado para a matéria de Teorias de Comunicação I, ministrada pelo professor Raphael Bonini (junho/2019).