Driblando fronteiras para além do campo
O futebol como prática de reafirmação do espaço feminino dentro da universidade em Bauru
Por Júlia Paes de Arruda e Olívia Ambrozini
“O que existe é um padrão arbitrariamente estabelecido de quais comportamentos e atividades que, teoricamente, seriam próprios para homens e mulheres”. A afirmação de Juliana Jardim, educadora física e doutora em ciências sociais, ambas pela Unesp, ilustra o papel de gêneros que persiste até hoje, apesar dos paradigmas que têm sido quebrados recentemente como é o caso do futebol.
Pode parecer impensável atualmente, mas o futebol feminino já foi proibido no Brasil. Em 1941, durante o governo de Getúlio Vargas, foi criado um decreto que proibiu as mulheres de praticarem esportes de contato considerados violentos, categoria na qual o futebol foi encaixado, pois, na visão deles, iria contra as condições de sua natureza. A modalidade só foi permitida em 1979, quando o decreto foi revogado nos anos finais da Ditadura Militar.
No entanto, as consequências de quase quatro décadas de proibição tornaram mais difícil o desenvolvimento e aceitação. Apenas em 2019, a Copa do Mundo de Futebol Feminino foi transmitido na televisão aberta brasileira, e em outros 134 países. Apesar do atraso, essa cobertura mais expressiva foi de grande relevância para o esporte, atuando como um incentivo para o crescimento da categoria feminina no país.
O resultado desse maior destaque é visto também no ambiente universitário. Neste ano, a Unesp de Bauru criou o primeiro time de futebol feminino, modalidade que, até então, era exclusivamente masculina. A equipe foi formada no primeiro semestre, quando iniciou seus treinos ainda com poucas jogadoras. A visibilidade proporcionada pela Copa foi um fator fundamental para o crescimento do time.
O grupo foi aumentando gradativamente, também impulsionado pela oficialização da modalidade como parte dos jogos universitários disputados entre os campi da Unesp. Mesmo diante desta conquista, as atletas tiveram que lidar com muitas dificuldades na busca por seu espaço, dentre elas, a subestimação de sua capacidade de estar no mesmo nível do time masculino. Thais Lace de Almeida, estudante de arquitetura e membro do time, já presenciou casos de machismo, na época da criação da categoria: “mulher não vai conseguir correr o campo inteiro, vamos fazer só sete contra sete, com campo reduzido”.
No cenário atual, no qual a mulher ainda busca seu espaço no esporte, o valor do futebol feminino consiste em mostrar para as mulheres que elas podem e devem ocupar quaisquer âmbitos sociais, “subvertendo os padrões normativos de gênero”, segundo a pesquisadora Juliana Jardim. Esse é o principal motivo que une as jogadoras e faz com que elas se identifiquem como um time, além da vontade de continuar evoluindo juntas, como conta Paula Berlim, estudante de jornalismo e atleta da equipe: “A importância da existência é demarcar a ocupação das mulheres num espaço feito para ser masculino. Quebrar realmente o paradigma de que futebol é só pra homem”.
Nota: essa reportagem foi usada para a criação do Suplemento Contexto: Unidade & Expressão, envolvendo as matérias de Jornalismo Impresso II e Planejamento Gráfico II (novembro/2019) ministrada pelas professoras Michelle Moreira Braz e Vivianne Lindsay Cardoso, respectivamente.